Na comemoração do Dia Europeu da Vítima de Crime
02 March 2016
O debate sobre “Ser Vítima” abordou violência doméstica, infantil e tráfico de seres humanos, com três oradores, Cristina Vieira, João Amado e Pedro Machado, todos eles especialistas nestas formas de violência na sociedade, no salão de conferências do Hotel Parque Serra da Lousã, dia 23 de Fevereiro, com Jaime Ramos a pontuar aqui e ali o debate.
O presidente do Conselho de Administração, Jaime Ramos começou por chamar a atenção que devemos ter com as vítimas, falou da violência no amor, dos refugiados e de nómadas forçados, da noção da violência e como a precaver, da compreensão para a vítima e da necessidade de sensibilizar a comunidade local para essas problemas.
Dado o mote, foi Cristina Vieira, Professora Auxiliar na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, Investigadora do GRUPOEDE – CEIS21, membro da direção da APEM (Associação Portuguesa de Estudos sobre as Mulheres) e representante da mesma no Conselho Consultivo da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG),que é uma das autoras da equipa dos Guiões de Educação Género e Cidadania, publicados pela CIG e validados pelo Ministério da Educação e Ciência.
Apesar de vir falar sobre a violência doméstica, Cristina Vieira falou mais nos direitos humanos, tendo como foco a educação para a prevenção e igualdade do homem e da mulher e violência doméstica sobre crianças.
Após afirmar que a declaração dos direitos humanos tem mais de 50 anos, Cristina Vieira disse que o que é preciso “é uma mudança de mentalidades, a começar em nós próprios, para além da educação para os direitos humanos, já que a vítima tem muitos direitos mas deveres também”.
“A violência doméstica, na intimidade, no namoro, sem lei para poder ser criminalizada, violência filial, contra filhos, primos, etc, a violência de género com as desigualdades entre homens e mulheres, a violência sobre a mulher _eu casei com ela, é minha ou ele não me bate muito, só umas estaladitas _ que tem o direito a dizer não, registando-se ainda o assédio sexual e psicológico, as atrocidades aos direitos das pessoas”, analisou Cristina Vieira.
“Só a Educação desde o início sobre os direitos, no sentido de sermos todos iguais pode resolver muitos problemas desses mas não é no curto prazo”, sublinhou, acrescentando que a “A Fundação ADFP acolheu refugiados no nosso país e espero que os nossos amigos se sintam bem por cá”.
Um grupo dos refugiados que a Fundação acolhe em Penela, veio assistir ao debate, acompanhado pela sua tradutora.
Os direitos das crianças
Já João Amado, Prof. Associado com Agregação da Universidade de Coimbra, Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação e Coordenador Cientifico do Curso Violência e Gestão de Conflitos na Escola falou sobre os direitos das crianças, apontando-lhes o historial e a convenção dos direitos das crianças de 1989.
“Esta questão dos direitos das crianças muito recente na história da humanidade, as crianças na idade média, na industrialização, não eram considerados como sujeitos de direito ou entidades autónomas. A infância é um conceito do séc. XIX e XX com base na evolução da ciência”, afirma.
“Do que é ser criança e ao longo do séc..XX, considera-se a criança um ser, já no presente, como uma realidade autónoma e personagem de direito”, continuou.
“A literatura de ficção foi extremamente importante para se criar um ambiente, mentalidades, de alguma forma diferente das anteriores: “Esteiros” de Soeiro Pereira Gomes decorre numa povoação cercada pelas águas do Tejo, onde crianças vítimas da violência familiar nunca foram à escola ou a abandonaram por dificuldades das famílias. Um livro com bons ensinamentos para as crianças”.
“A mudança de mentalidades começa em 1959 com a declaração universal dos direitos das crianças, e prossegue em 1989 com a Convenção sobre os Direitos da Criança ser adotada pela Assembleia Geral da ONU e aberta à subscrição e ratificação pelos Estados, documento não ratificado até hoje pelos Estados Unidos”, sublinha João Amado, que “dá as crianças o direito de participação na vida social, o direito da criança a exprimir-se sobre a sua própria vida”.
João Amado falou de um dos fundamentais três pilares da educação, “aprender a ser é o mais importante, não é só da responsabilidade da escola, o 1º lugar é em casa”, os pais hoje não sabem dizer que não, mas isso também a criança, é preciso aprender a viver com os outros, a conhecer e a fazer”.
Outro dos pilares – acrescentou - “é o direito a brincar e também do repouso, tempos livres para a vida cultural, brincar na natureza, ao ar livre, aproveitar o património lúdico na natureza, aprender a brincar com brinquedos tradicionais”.
O tráfico de seres humanos
O último tema em debate, com José Pedro Machado, Psicólogo Consultor, elemento da Ordem dos Psicólogos Portugueses, foi o tráfico de seres humanos.
“Portugal já adotou todas as normas europeias, num quadro em que a OIT refere em 2008, 2,4 milhões de vítimas e 3 biliões de dólares de lucro enquanto a UNICEF reportava 1,2 milhões de crianças”, começou por dizer o psicólogo, focando o caso dos portugueses traficados para Espanha para fins laborais, como a apanha da fruta. Ou o das mulheres para exploração sexual, sem contar com a servidão doméstica ou a mendicidade, muitos deles agrilhoados”
José Pedro Machado falou também da extração de órgãos humanos, “problema que ainda não é tão forte nos país mais desenvolvidos, e dos sem abrigo que hoje são vítimas preferenciais”.
“Muitas das vítimas, quando em situação ilegal, têm medo de procurar a polícia, até por diferenças culturais, pelo que terá que haver uma aproximação da polícia ao cidadão”, sublinhou, acrescentando que “essas pessoas não acesso à saúde, são também vítimas de agressões físicas sem acompanhamento médico”.
Após referir que “em qualquer hospital português qualquer pessoa é tratada no Serviço Nacional de Saúde”, o psicólogo referiu o caso “de uma pessoa que esteve 25 anos escravizada em Portugal sem alimentação adequada ou cuidados médicos”. Mais ainda, “essas pessoas sofrem de fome, tristeza, descrença, depressão, medo e acomodação”.
Por fim, entre outras considerações, Jaime Ramos sublinhou que, em relação às crianças é preciso ter a capacidade para dizer não, de modo a que mais tarde se comportem bem”.